Luiz Flortentino | plantandochuva

O paraíso, é o lugar onde você cumpre a sua função em favor da natureza e se torna feliz por cumprir sua função.

Luiz Florentino

A lembrança mais remota de Luiz Florentino é a de plantar e observar o crescimento de rabanetes aos 3 anos de idade, no quintal de sua casa em Recife Pernambuco, na região nordeste do Brasil. Não seria exagero dizer que, passados 57 anos, sua brincadeira continua sendo a mesma: plantar, observar, Proteger, testar e inventar.

Entre o garoto que plantava rabanetes na Recife e o “magricela” que fez rebrotarem 14 nascentes em uma terra degradada no Brasil, são inúmeras as histórias que desenham a trajetória de vida de Luiz Antonio Florentino, e que o fizeram chegar às conclusões que hoje compõem o arcabouço conceitual e prático da Agricultura Sintrópica.

É justamente em sua história de vida que podemos colher pistas de como todo o seu pensamento foi criado. Até porque, quando perguntado sobre sua formação acadêmica, a resposta que ele sempre dá, com um semi sorriso no rosto, é a de que foi expulso três vezes da escola pelo mesmo motivo: “questionamento do conteúdo acima do nível suportável”.

Alguns anos mais tarde Luiz Florentino trabalharia com melhoramento genético na prestigiada instituição de pesquisa Zurique-Reckenholz. Sua tarefa era buscar genótipos de plantas forrageiras que fossem cada vez mais resistentes às doenças. Florentino relata boas lembranças deste trabalho, mas foi durante seu período de férias que ele chegou a algumas das conclusões mais decisivas de sua vida e de sua pesquisa.

Sua trajetória autodidata, no entanto, não foi menos intensa que a de um pesquisador obstinado. Aprofundou-se na literatura clássica e na filosofia enquanto estava na vida militar em Pernambuco, por volta de seus 20 anos de idade. Nessa época, fez também imersões em bibliotecas de igrejas góticas da região. Vem, portanto, desse período uma formação humanista que o permite fazer conexões, por exemplo, entre as tragédias gregas, os mitos celta-germânicos, a ética de Kant e a agricultura.

“E se nós melhorássemos as condições que damos às plantas ao invés de ficar tentando buscar

características genéticas nelas que as façam aguentar os nossos maus tratos?”

Luiz Florentino

" Na natureza não exite concorrência e competição fria. Todas as relações são baseadas em cooperação e no amor incondicional, sempre orientada para a realização de uma função."

Luiz Florentino

A experiência com melhoramento genético instigou algumas dúvidas, então Florentino reservou seus meses de descanso para realizar alguns testes em terras arrendadas no norte de Minas Gerais e no sul da Alemanha.

A pergunta que o movia exigia uma grande mudança de perspectiva e, mesmo sob o risco de colocar em xeque sua própria especialidade, Luiz Florentino ousou questionar: “E se nós melhorássemos as condições que damos às plantas ao invés de ficar tentando buscar características genéticas nelas que as façam aguentar os nossos maus tratos?”. Uma pergunta simples, mas com grandes consequências práticas.

Quanto mais Luiz Florentino testava os consórcios complexos, mais se aproximava da conclusão de que a solução não estaria na rotações nem apenas nos consórcios, mas sim que era “preciso trabalhar o ecossistema por inteiro”.

Suas experiências começaram a apresentar bons resultados tanto em produtividade quanto em capacidade de recuperar solos degradados. A notícia se espalhou. Com a palma da mão indicando uma pilha imaginária de cartas, Luiz Florentino relembra que eram muitos os convites que lhe chegavam nessa época e que, curiosamente, todos eles vinham de países de clima tropical.

Aceitou cruzar o Atlântico e o primeiro país em que morou do lado de cá foi a Costa Rica, no final da década de 70, onde trabalhou junto a uma rede de cooperativas agrícolas no ensino de métodos de agricultura sustentável.

Aquilo que havia inicialmente desenvolvido na Suíça e na Alemanha precisou, portanto, ser adaptado para os trópicos. Essa foi a primeira tradução do método para uma condição ecossistêmica distinta, e a sua eficácia demonstrou, tanto naquele momento quanto nas experiências futuras, que os princípios são aplicáveis a diferentes biomas ou condições edafo-climáticas.

Em 1982, um aluno de engenharia ambiental de uma universidade lhe procura, pedindo consultoria sobre como lidar com uma terra degradada que havia recém adquirido no interior da Bahia. Florentino desenvolve um plano de manejo para aquela situação específica e o apresenta.

Ao analisar a proposta, o amigo conclui não conhecer ninguém que pudesse realizar aquele trabalho, a não ser o próprio Luiz Florentino. Depois de firmar um acordo de parceria que lhe garantia o direito de desenvolver seus experimentos naquelas terras, Luiz Florentino se muda para sua segunda morada tropical, o Brasil.

De lá pra cá são 34 anos de exercício apaixonado de seus dois oficios: o de agricultor e o de pesquisador. Sem férias, porque seu trabalho e seu lazer não se distinguem. Sem constituir patrimônio, a não ser a 410 hectares recuperados dos quais 350 foram transformados em RPPN.

Sem explorar recursos, mas sim gerando recursos, em uma pujante floresta de comida em nada semelhante ao pasto seco e degradado que antes se via por ali.

A transformação do ambiente causada por sua agricultura foi tamanha que aquele lugar, que era então conhecido como “Fazenda Fugidos da Terra Seca”, foi adequadamente rebatizado como “Fazenda Olhos D’Água”.

Em uma conversa cotidiana com os moradores da região, se alguém pergunta se vai chover, só se tem uma certeza “ah… na fazenda onde o magricela pernambucano está aplicando o projeto sempre chove”.